Na pré-campanha de 1996, o publicitário Sérgio Arapuã deixou preocupada a plateia que lotava o auditório do Centro de Convenções, em Ponta Negra, para ouvi-lo falar sobre marketing eleitoral no rádio e na televisão. Arapuã, já às portas dos 70 anos de idade, chegou atrasado, pediu desculpa e explicou o motivo: "Acostumado com a poluição de São Paulo, passei mal no hotel, ao respirar o ar puro de Natal." Depois da palestra, em conversa com jornalistas, ele jurou que a justificativa para o atraso era real. Não se tratava de nenhum agrado para conquistar a simpatia dos espectadores.
ana silva Com praias paradisíacas, cercada de áreas verdes, sol praticamente o ano todo e uma brisa que funciona como solvente da poluição urbana, Natal alia beleza com qualidade de vida e desenvolvimento humano
Outro episódio aconteceria anos depois. O condicionador de ar do ônibus que fazia um passeio turístico com um grupo de pais de alunos de um centro infantil quebrou. O guia agiu rápido. Antes que alguém pudesse reclamar, ele pediu que os passageiros abrissem as janelas. "Fale a verdade. Com um clima maravilhoso desses, quem precisa de ar-condicionado para apreciar as belezas de Natal? Respiramos o ar mais puro das Américas", disse o guia, citando o resultado de um estudo científico atribuído à Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.
Os dois episódios acima - ou nariz de cera na linguagem jornalística - foram citados para reforçar a importância da discussão do Plano Diretor de Natal, que será revisado este ano. O debate ganhará fórum privilegiado quando começar a ser discutido na Câmara Municipal. Aí, termos como outorga onerosa, desenvolvimento sustentável, operação urbana consorciada, solo criado, IPTU progressivo, ZPA, UCA farão parte do dia a dia do natalense.
O Estatuto das Cidades sugere que os municípios revisem seus planos, pelo menos, uma vez a cada 10 anos. A medida é necessária para adequar as normas municipais à realidade urbana. O bom-senso , no entanto, aconselha revisão a cada cinco anos. No caso de Natal, a última revisão foi feita em 2007. E pelos comentários, ações e reações publicados até agora, o coeficiente de construção estará no epicentro do debate.
O coeficiente básico de Natal, hoje, é de 1,2. A proposta é reduzir para 1.0, ou seja, quem tem um terreno de mil metros quadrados não poderá ultrapassar este limite na hora de construir um imóvel.
O professor do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Alexsandro Ferreira, que integra o projeto "Observatório das Metrópoles", afirma que há um longo caminho a percorrer em Natal, na questão do coeficiente de construção. "Qual é a estrutura ideal de Natal? Ninguém sabe. Estive há pouco tempo na Semurb e só agora eles começaram uma pesquisa para avaliar o grau de estrutura da cidade."
O presidente do Sindicato da Construção Civil do Rio Grande do Norte, Arnaldo Gaspar Júnior, disse que o setor quer participação e transparência nas discussões e adiantou que não há preocupação quanto ao que for aprovado na revisão do Plano Diretor: "É importante deixar bem claro que o setor da construção civil se adapta às regras em vigência. Proibiu a verticalização? Empreendimentos horizontais serão lançados. A verticalização é melhor? Lançaremos os verticais. A outorga onerosa é inviável? Trabalharemos sem ela."
Crescer na vertical ou na horizontal? Eis a questãoVerticalizar ou horizontalizar o crescimento de Natal? Como explorar economicamente as Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs) da cidade? Mudar ou não as regras da outorga onerosa? Se você tem respostas para essas perguntas e acredita que sua opinião é valiosa, este é o momento de colaborar com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) e ajudar na discussão sobre a regulamentação das ZPAs e outras questões que precisam ser tratadas antes da revisão do Plano Diretor de Natal, prevista para este segundo semestre, mas que ainda não tem data definida.
Atualizado em 2007, em meio a uma acalorada discussão que terminou com a polícia invadindo a Câmara Municipal, numa ação conhecida como "Operação Impacto", o PDN passará por nova revisão este ano. Contudo, isso só pode ocorrer com a regulamentação das ZPAs e a observação de alguns instrumentos como, por exemplo, a outorga onerosa. Para isso, é necessária a participação da sociedade natalense por meio de audiências públicas. O que ficar definido nelas será levado para o Conselho Municipal de Planejamento e Meio Ambiente de Natal (Conplan) e, em seguida, para a Câmara Municipal, onde poderá ser emendada e votada.
"Precisamos tratar desses temas antes de discutir a revisão do Plano Diretor de Natal. Opiniões válidas serão muito importantes para que possamos, junto aos estudos técnicos, desenvolver o melhor para Natal", afirma o secretário da Semurb, João Bosco Afonso. Essas audiências públicas devem começar neste mês, segundo previsão da Secretaria.
Até o momento, apenas uma proposta foi apresentada pela Semurb de regulamentação das ZPAs e de alterações em alguns instrumentos, entre eles, o cálculo da outorga onerosa. A proposta foi desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), contratado pela Prefeitura do Natal para isso, e se encontra disponível para que a população possa ler e dar suas impressões nos dias das audiências.
Desses encontros sociais para discussão, inclusive, quem tem lugar garantido é o Sindicato da Indústria de Construção Civil do Rio Grande do Norte (Sinduscon/RN). O órgão já definiu a linha de participação: vai tentar dar a maior publicidade possível ao que está sendo discutido para, desta forma, convocar a população a defender os interesses da cidade. Pelo menos, foi o que prometeu o presidente do Sindicato, Arnaldo Gaspar Júnior. "Estamos muito bem resolvidos quanto a isso, porque sabemos que as empresas de construção civil vão se adaptar, sejam quais forem as regras para o setor, depois da revisão", disse Arnaldo Júnior.
Dessa forma, o presidente abre uma das principais discussões em relação à regulamentação e revisão de alguns instrumentos do Plano Diretor: verticalizar ou horizontalizar a cidade. "O adensamento não deve ser visto como algo negativo, como alguns pensam que é. A horizontalização causa mais impacto, porque leva a urbanização a uma área antes virgem. Além disso, requer mais investimentos estatais, na construção de postos de saúde, escolas, estradas. Afinal, é preciso dar condições mínimas de moradia", avalia Arnaldo Gaspar.
De um lado diferente do defendido pelo Sinduscon, está o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), uma entidade carioca que foi contratada pela Prefeitura do Natal para propor a regulamentação das ZPAs e a revisão dos instrumentos. Na proposta apresentada pelo Instituto, uma mudança na outorga onerosa aumenta consideravelmente os custos da obra que ultrapassar o coeficiente básico em bairros adensáveis.
A mudança pode contribuir para limitar a verticalização - ou repassar o aumento para o bolso do consumidor. Se isso vai mesmo ocorrer ou não, a participação popular é que pode decidir. "Cada cidade tem o plano diretor que merece", afirma o supervisor técnico da área de Desenvolvimento Urbana e Meio Ambiente do Ibam, Ricardo Moraes.
Semurb ainda não definiu ladoNa discussão de horizontalização ou verticalização, o secretário João Bosco Afonso prefere não se manifestar, pelo menos, por enquanto. "Não devo, nem posso fazer isso. Somente com estudos técnicos e depois das audiências públicas é que podemos ter uma noção do que é melhor para a cidade", afirma ele. "Se o que está sendo proposto é o certo ou não, apenas com a discussão e a participação social será possível definir".
Além de Ibam, Sinduscon e, claro, da população, entra na discussão também o Ministério Público Estadual, que solicitou de técnicos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), estudos a respeito dos impactos ambientais que poderiam ser causados se a proposta de regulamentação das ZPAs fosse posta em prática. "Foi dado um prazo para que esse estudo fosse feito. Por isso, acreditamos que em setembro já possamos marcar as assembléias para discussão", afirma Bosco Afonso.
Entre a proposta de regulamentação apresentada em julho pela Semurb, está o plano para as ZPAs 8 e 9, localizadas na Zona Norte e que correspondem a 18% da área total da cidade. O objetivo é fazer intervenções que agreguem novos produtos que se insiram no roteiro turísticos de Natal e valorizem a área.
Segundo o secretário-adjunto de planejamento da Semurb, Carlos da Hora, a proposta é de construção de um mirante nas proximidades da antiga aldeia de Camarão (ZPA-8), com 72 metros de altura em relação ao Rio Jaguaribe, contendo restaurante e varanda contemplativa. Na ZPA 9, que tem cinco lagoas ainda preservadas, foi proposta a criação de um parque ecológico com memorial, ciclovias, quadras e academias de ginástica para terceira idade e trabalhos voltados para educação ambiental.
Fonte: Tribuna do Norte, 03 de setembro de 2011.