domingo, 25 de janeiro de 2009

Rio Pitimbu: à espera da preservação

Rio Pitimbu está prestes a ter sua área de preservação demarcada

Por: Wagner Lopes - Repórter

Para alguns, um paraíso. Para outros, uma vergonha. Uns consideram um patrimônio, outros um empecilho. Para centenas é local de lazer. Sete mil o têm como fonte direta de abastecimento e renda. Mais de 200 mil têm nele sua fonte indireta de água para beber. Esse é o rio Pitimbu, curso d’água que percorre 32 km serpenteando entre os municípios de Macaíba, Parnamirim e Natal e que hoje é motivo de preocupação de ambientalistas e do poder público.
O rio, que após anos de expectativa deve finalmente ganhar uma estrutura demarcando a área de proteção a sua volta, serve hoje como uma das principais fontes de abastecimento da lagoa do Jiqui, onde desagua e de onde são retirados cerca de 30% da água consumida na capital. Ao mesmo tempo, seu leito é ponto de diversão para muitos moradores das três cidades, porém funciona também como local de despejo de lixo e dejetos, sem contar outras agressões que sofre, como o desmatamento e a ocupação irregular das margens.

Demarcação deve começar em março

O Rio Grande do Norte conta com 16 bacias hidrográficas, das quais 14 deverão ter comitês gestores. Porém, de todas essas atualmente apenas a bacia do Pitimbu conta com esse órgão. “Foi o primeiro rio a ter um comitê, criado em 2005, e já conta inclusive com um plano de gestão elaborado. Uma das decisões do órgão a ser adotada este ano é a demarcação, com estacas, da área de preservação entorno de seu leito”, explica o diretor geral do Instituito de Gestão de Águas do RN (Igarn), Celso Veiga.
A licitação para a obra de colocação das estacas foi concluída e o diretor espera assinar o contrato a qualquer momento e iniciar as obras até março. A área de proteção do Pitimbu é de 100 metros para cada margem, contados a partir do eixo central, ou seja, do meio do rio. A demarcação não vai impedir o acesso, pois não será instalada uma cerca, mas o objetivo é que sirva para identificar melhor e combater de forma mais eficaz as agressões ao Pitimbu. “As que mais nos preocupam são o processo de erosão e a poluição doméstica, industrial e agrícola”, enumera.
O Plano de Gestão Integrada da Bacia, elaborado há pouco mais de um ano, identificou 41 pontos de degradação, sendo seis em Macaíba, oito em Natal e 27 em Parnamirim, incluindo desmatamentos, ocupação irregular das encostas, aterramento, lançamento de efluentes, entre outras ameaças ao curso d’água. “É um rio muito vulnerável, pois é praticamente todo urbano”, alerta o diretor do Igarn.
Uma das medidas que o órgão espera ver colocada em prática é a transformação em área de proteção ambiental, APA, da região onde nasce o Pitimbu, próximo à comunidade de Lagoa Seca, em Macaíba. Já a demarcação com estacas levará o eixo principal do rio
como ponto de referência porque a localização de suas margens varia bastante conforme o trecho e a época do ano, o que dificultaria usá-las par medir os 100 metros da área de proteção.
“Essa piquetagem vai facilitar o controle e a proteção. Esse rio tem de ser bem cuidado, pois é o grande contribuinte para a lagoa do Jiqui, de onde sai 30% da água que abastece Natal”, lembra. Hoje, porém, ele garante que a qualidade das águas do Pitimbu está dentro das normas estabelecidas para seu tipo de uso. “Fazemos um acompanhamento constante e temos verificado que está compatível com o exigido pelo Ministério da Saúde”, ressalta, lembrando que
são usadas inclusive para reduzir a concentração de nitrato em alguns poços da capital.
Uma nova eleição para a diretoria do comitê deverá ser realizada na próxima quinta-feira. Celso Veiga destaca que fazem parte do órgão representantes dos governos federal, estadual e municipais e ainda diversos integrantes da sociedade civil organizada, dentre os quais os usuários do rio.

Ambientalista defende ação conjunta

O coordenador do Movimento Pró-Pitimbu, Waldemir Santiago, acredita que não será a iniciativa isolada dos ambientalistas, ou mesmo do poder público, que irá garantir a sobrevivência do rio Pitimbu. “A nossa preocupação é para que haja uma ação integrada, incluindo também os proprietários das terras ao longo do rio e a comunidade em geral”, defende. Hoje ele reconhece que as águas ainda são de qualidade, mas lembra que isso não estará garantido se não forem tomadas as medidas necessárias.
“Esse rio tem sofrido várias agressões, mas tem um poder de depuração incrível, principalmente porque é um rio que vem recebendo ao longo de seu leito a contribuição de águas do lençol freático”, explica. No entanto, estudos já feitos dão conta de que a poluição acumulada no fundo do Pitimbu é cumulativa e pode vir a tornar sua água imprestável, se não forem desenvolvidas ações de preservação.
Outro risco é a redução no próprio volume do rio (o que naturalmente já aumentaria a concentração dos contaminantes) devido à impermeabilização dos solos ao longo da bacia hidrográfica. “Futuramente esse rio pode se tornar temporário”, teme Waldemir Santiago. A legislação ambiental, porém, já prevê medidas e cuidados que podem evitar a
concretização desse quadro negativo.
“A hora é de fazer cumprir essa legislação, principalmente através dessas ações conjuntas”, reforça. De acordo com o coordenador, próximo à nascente do rio, em Macaíba, os problemas mais sérios são as barragens, 13 ao todo; a agricultura, com o uso muitas vezes indiscriminado de agrotóxicos; e mesmo a atividade pecuária. Outro temor diz respeito ao Centro Industrial, cujos efluentes são despejados no Jundiaí, mas que em caso de qualquer acidente durante esse processo, podem terminar indo parar no Pitimbu.
O uso de áreas próximas como ponto de recreação, ao longo de seu leito, também é um risco à qualidade das águas, uma vez que geralmente vem associada a desmatamento da mata ciliar e assoreamento das margens. Tanto que o rio que já chegou a ter mais de 3m de profundidade, hoje não passa de algumas dezenas de centímetros em diversos trechos onde ocorre ocupação irregular. “Tudo isso vem contribuindo para o rio ir se degradando ao longo do tempo. É fundamental investir em educação ambiental, para quem mora próximo saber os cuidados que deve ter”, ressalta.
Os empreendimentos imobiliários são outra preocupação do ambientalista, que apo
nta diversos dos recém-erguidos próximos ao Pitimbu como ilegais, do ponto de vista da legislação ambiental. “Em alguns locais se despeja esgoto in natura e na Zona de Proteção Ambiental 03 (em Cidade Satélite) diversos condomínios foram erguidos sem respeitar o límite mínimo dos lotes, que deveria ser de 450 m2.”
Quanto à erosão nas proximidades do condomínio Buena Vista, na marginal da BR-101, a crítica de Waldemir Santiago é ao “jogo de empurra” em que se transformou o problema. “O Idema responsabiliza o Dnit e o Dnit diz que a resposnabilidade é do Exército. Só falta o Exército dizer que a culpa é de São Pedro”, ironiza. Ele também critica o Comitê da Bacia, que apesar de hoje ser o único do Estado, não estaria tomando as atitudes necessárias. “Está inoperante. Precisa haver ação mais efetiva. Pois se hoje o rio pede água, amanhã seremos nós”, adverte.

Leito tem vários pontos onde a erosão é um problema grave

A imensa cratera aberta ao lado da BR-101 e das obras paralisadas do condomínio Buena Vista, na divisa entre Nova Parnamirim e Cidade Satélite, é hoje a imagem mais conhecida da erosão nas margens do Pitimbu, porém não é a única. No conjunto Planalto, próximo ao local onde a linha férrea atravessa o rio, um imenso buraco de mais de 5 m de profundidade e 10m de largura, que se estende por cerca de 100m, também se abriu devido às águas das chuvas, que escorrem das ruas para o leito.
“Já faz muito tempo que está assim, cada dia fica pior e ninguém faz nada”, aponta o agricultor João César Pereira, morador da região. Ao lado do Buena Vista, por sua vez, a cratera ocupa um espaço de milhares de metros quadrados, se estendendo por mais de 100 metros e com uma largura em torno dos 50 m. As paredes da voçoroca chegam a mais de 10 m de profundidade.
Lá embaixo, o retrato das agressões ao Pitimbu é mais claro. Uma cerca que atravessava seu leito tombou e agora serve de mostruário da poluição, “coletando” sacos de lixo e diversos outros materiais que vêm com a correnteza e expondo-os a quem quiser ver. O assoreamento no local tornou possível praticamente andar sobre o rio, que não passa de 40 centímetros de profundidade no ponto mais fundo e que conta até mesmo com pequenas “ilhas” formadas pela areia e pedras que desceram da cratera. No buraco é possível enxergar a “língua negra” de poluentes que desce até o Pitimbu.

Poluição toma conta de área de diversão

Um verdadeiro parque de diversões a céu aberto. Assim podem ser resumidos os diversos pontos nos quais a passagem de estradas, da ferrovia, ou mesmo a retirada da mata ciliar permitem à população chegar ao leito do Pitimbu. No conjunto Planalto, as crianças usam a ferrovia sobre o rio como trampolim. No Satélite, as margens se tornam local de piquenique. Em Nova Parnamirim, o futebol rola solto e, no Jiqui, um bom banho é a pedida de quem passa, ou quem é vizinho do Pitimbu.
“Não tenho medo dessa água não. Sempre tomei banho e nunca tive nenhum problema por isso, só não dá para beber. Agora, ruim mesmo é quando lavam os cavalos aqui dentro”, afirma o estudante Davi César Ribeiro, de 11 anos. Ele diariamente vai com os colegas tomar banho sob os trilhos do trem, que ligam Natal a Parnamirim, no Planalto. Os garotos fazem da ferrovia o trampolim para mergulhos e acrobacias, enquanto outros moradores usam as águas para lavar roupa e se divertir.
O trecho também serve de local de passagem para o treinamento do maratonista José Pereira da Silva, o “P. Silva”. Para o atleta, que corre quase diariamente ao lado do rio, é preciso atenção dos órgãos públicos para com a preservação do Pitimbu. “É muito bonito e precisa ser preservado”, defende. Porém, o que se vê em outro trecho, acessível através do conjunto Cidade Satélite, é que o uso feito pela população não é dos mais conscientes do ponto de vista ambiental.
Na área aberta em meio à vegetação podem ser encontrados restos de fogueira, ossos de galinha, diversos cocos abertos, sacos plásticos, latas de cerveja, embalagens de comida e isopores. A própria trilha que leva ao local é marcada pelo despejo de lixo, por parte de quem frequenta a área, bastante movimentada sobretudo nos finais de semana, quando grupos se juntam para se divertir na margem do Pitimbu.
Um pouco mais abaixo no rio, ao lado da antiga “cratera do Mahatma Gandhi”, em Nova Parnamirim, os jovens se banham nas águas do Pitimbu e fazem de suas margens, onde se forma uma “pequena praia”, campo de futebol para bater bola com os amigos. “Não tenho medo de tomar banho aqui”, afirma o estudante Alan Kelvin dos Santos, de 15 anos. Os banhistas, porém, são obrigados a uma convivência forçada com restos de lixo trazidos pelo rio e a presença de cavalos, sendo lavados no local.
No Jiqui, já próximo à lagoa onde o Pitimbu desagua, uma ponte concentra outros grupos que aproveitam as águas do rio como fonte de lazer. “Se esse rio fosse poluído a gente estava mal, mas não, isso aqui é um paraíso”, garante o garçom Francisco Barbosa, enquanto brinca com o filho dentro d’água. O local é cheio de árvores frutíferas e também reúne uma grande quantidade de pessoas nos fins de semana.

Fonte: Tribuna do Norte - 25/01/2009