O calor que tem sufocado Natal desde o início do verão tem motivos que vão muito além do termômetro, que são bem mais complexos que a simples medição da temperatura do ar. Não é incomum ver alguém comparando o calor de localidades diferentes com a simples comparação: cidade “X” tem 32 C enquanto cidade “Y” tem 37 C. A cidade “Y” é mais quente, correto? Não necessariamente. Variáveis como a umidade e a circulação do ar também interferem. E a quantidade de árvores e de asfalto que uma cidade possui também é um fator determinante.
A temperatura média de Natal não sofreu grandes alterações nos últimos anos. Contudo, a sensação térmica é cada vez mais desconfortável e não precisa ser cientista para perceber. As evidências estão nas ruas. A ciência ao mesmo tempo tem motivos claros para acreditar que a falta de planejamento urbano e a cada vez menor cobertura vegetal na cidade são os principais responsáveis pela “onda de calor” que se abateu sobre Natal. De acordo com os professores de arquitetura Aldomar Pedrini e Eugênio Medeiros, a diminuição do número de árvores e a crescente impermeabilização do solo são os grandes vilões do desconfortável calor de Natal.
Além da temperatura, a circulação do ar – em termos mais leigos, a “brisa” - é um dos fatores mais importantes para dar mais conforto ambiental. A sabedoria popular sabe bem disso: ambientes arejados são mais agradáveis. Contudo, a regra não é absoluta. É claro que com um sol tão forte quanto o de Natal não há brisa que dê jeito. “Só uma ventania para espantar o calor em um ambiente que recebe uma carga de radiação térmica tão alta”, explica o professor Aldomar Pedrini, que trabalha com conforto ambiental. Nesses casos, o planejamento dos prédios e da própria cidade podem amenizar ou agravar a sensação de calor.
Não é difícil responder: onde faz mais calor, embaixo de uma árvore ou debaixo do sol? Caminhando sobre a grama ou no asfalto quente? Claro que as primeiras opções são mais aprazíveis. No caso de Natal, de acordo com o professor Aldomar Pedrini, a forma como os edifícios estão aglomerados favorecem a sensação de calor. “É preciso dar espaço para que o ar circule, mas como temos muitos bairros com grande concentração de prédios, o calor fica acumulado. Seria interessante que houvesse um espaço entre as construções, para que o ar possa ter por onde circular”, diz Aldomar. O Alecrim e a Cidade Alta são bons exemplos do que conta o professor.
Outra questão abordada é a crescente impermeabilização do solo. Como se sabe, um vegetal utiliza a energia do sol para realizar a fotossíntese. Dessa forma, ela não “transmite” o calor da mesma forma que o asfalto ou mesmo que uma rua feita de paralelepípedos. “Se no asfalto você nota uma temperatura de 80 C em determinados momentos, a copa de uma árvore teria uma temperatura um pouco mais alta que a temperatura do ar no mesmo momento”, compara. No caso do asfalto, a contribuição para o calor é ainda mais intensa por conta da cor. O asfalto é escuro e absorve e transmite mais calor. Quem tiver dúvidas a esse respeito é só sair à rua com uma camisa preta em pleno meio dia.
No que tange à cobertura vegetal, o professor Eugênio Medeiros afirma que não bastam as grandes áreas verdes de Natal – como é o caso do Parque das Dunas e outras Zonas de Proteção Ambiental. “Essas áreas não tem influência direta sobre outras áreas de Natal”, diz. Em outras palavras, a cobertura vegetal deve ser difusa, com árvores distribuídas pelos bairros. Eugênio, em sua tese de doutorado, fez uma contagem das árvores dos bairros de Tirol, Cidade Alta e Petrópolis. Eram 3.470 e hoje, segundo o professor, esse número é bem menor. Não há quantificação. “Estamos iniciando um programa de pós-graduação nessa área que pode dar início a essa quantificação, à análise de dados. Hoje só conseguimos qualificar o problema”, diz Aldomar. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE requisitou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo informações acerca da porcentagem de cobertura vegetal da cidade, mas até o fechamento dessa edição, não houve resposta.
Modelos europeus prejudicam clima
Além de traçar um panorama do quadro geral, os professores Aldomar Pedrini e Eugênio Medeiros falaram sobre como adaptar um edifício para obter um maior conforto ambiental e ainda economizar energia. Entre os prédios de Natal, eles indicaram um que seria um modelo nesse sentido. O escolhido foi o prédio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), localizado no campus da UFRN. O projeto, segundo os professores, foi inclusive premiado por eficiência energética.
Em termos de arquitetura, o que prejudica a construção de edifícios mais confortáveis ambientalmente é a adoção de modelos europeus e norte-americanos. “O que funciona em um local não necessariamente funciona em outro. Não dá pra importar uma árvore da Suíça, que pode ser linda por lá, mas que em Natal não vai dar certo”, explica Eugênio Medeiros. Segundo Aldomar Pedrini, os edifícios com modelos importados têm janelas menores e menos espaços para circulação do vento.
O mesmo não acontece com o prédio do Inpe. Ele foi totalmente planejado para aproveitar o vento e a luz naturais. Ao mesmo tempo em que é mais confortável, o uso de energia é menor. Os materiais usados têm isolamento térmico e propiciam uma alta refletividade. Os locais mais iluminados não recebem a luz diretamente. “O sol não pega nos locais com aberturas, o que propicia uma iluminação mais macia”, conta.
Água
Mesmo sem entender de índices climáticos, nas ruas, a população não tem dúvidas do aumento da sensação de calor. E cada um tem a sua forma de conseguir driblar o desconforto.
É o caso do gari Ubiraci de Souza, de 47 anos. Trabalhando varrendo as ruas há três anos, ele aprendeu uma forma interessante de não se queimar com o sol quente: o uso de roupas com mangas compridas, além de luvas e chapéu. “Antes eu chegava em casa com os braços queimados”, conta. O problema da insolação está resolvido, mas não do calor excessivo. “É um absurdo o quanto fico suado trabalhando. Mas é isso mesmo, a gente que trabalha varrendo a rua tem que enfrentar o sol”, diz.
Shirlene de Sá protege o rosto da sua filha Maria Isabele, de apenas seis meses, com um pano. Ao mesmo tempo, usa protetor solar fator 60. “Não tem condições o calor que está fazendo. Ou o sol desceu ou a terra subiu”, reclama. O técnico em mineração Francisco Renan Mendes, de 58 anos, diz que o único antídoto é água. “Só tomando muito banho”, conta. Eles são unânimes ao dizer que a sensação de calor só tem subido.
Fonte: Tribuna do Norte, 07 de março de 2010
Um comentário:
Todos estamos ouvindo isso à todo tempo. A questão é: as construtoras "tão nem aí" pra isso e o povo - que precisa morar em algum canto e não pode comprar o que quer, mas o que dá - compra os apartamentos que são oferecidos.
A cidade cresce, e todo mundo quer morar em rua asfaltada... Isso sem contar os sem noção que tiram as árvores "porque suja muito"
vamos morrer de calor
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