segunda-feira, 17 de março de 2008

MP insiste em punir a Caern por vender água contaminada

Por Eliade Pimentel e Wagner Lopes
Repórteres

Pagar por um serviço que não está sendo oferecido a contento é legal? Mesmo servindo água em pouca quantidade e com qualidade duvidosa, a Caern continua cobrando tarifas de consumo aos usuários que têm água contaminada por nitrato, um composto químico muito prejudicial à saúde humana.
A promotora do meio ambiente, Gilka da Mata, considera injusta a cobrança e reiterou pedido de redução de taxas junto ao Tribunal de Justiça, enquanto a companhia não solucionar o problema. A petição aguarda julgamento. Enquanto isso, a Caern adianta que não receber pelo serviço - mesmo que esteja sendo feito de maneira inadequada - prejudicará o andamento das obras para melhoria da oferta da água.
O diretor técnico da Caern, Clóvis Veloso, afirma que se for julgada procedente a medida é um risco para a saúde financeira do órgão. “Punir a Caern não significa resolver o problema. Haveria redução da receita e as despesas continuariam as mesmas. Haveria uma piora da qualidade do serviço prestado”.
Às pessoas e empresas que recorreram a carros-pipas para suprir falta de água, ele cita que a Caern não pretende fazer nada para reverter o prejuízo e que a tendência do problema é diminuir com a chegada da estação chuvosa. Ele também explicou que a companhia não considera como corte do abastecimento aquelas situações em que a pressão da água é insuficiente para encher os reservatórios. “A Caern cumpre com seu papel quando entrega a água na casa do consumidor”, declarou.
Com as constantes interrupções do abastecimento de água em diversos bairros da Capital e da Grande Natal, alguns condomínios e casas recebem o produto em pouca quantidade, devido à pressão ser insuficiente. Mesmo assim, a empresa considera que está cumprindo seu dever de fornecedora.
Até serem concluídas as obras das novas adutoras situadas nos extremos Sul e Norte de Natal, a Caern conta com a diminuição da demanda de consumo para minimizar o problema da falta de água. “O consumo tende a aumentar no verão. Como a estação chuvosa já está começando, a tendência é diminuir”, aposta.
Para aumentar a produção de água para o lado Sul da cidade, a companhia já deu início à obra de ampliação da adutora a Lagoa do Jiqui, cuja vazão passará dos atuais 1.400 metros cúbicos por hora para 2.600, ou seja, quase o dobro de sua capacidade. O problema é que a obra está prevista para ser concluída em fevereiro de 2009.
A adutora da Zona Norte vai captar água de quatro poços da margem esquerda do rio Doce, próximo à Extremoz, e aumentará a produção principalmente para os bairros de Pajuçara e Gramoré, bastante atingidos pela contaminação por nitrato. A iniciativa da Caern é diluir a água para minimizar os efeitos nocivos do composto químico.
Geólogo tem solução para o nitrato
A pequena cobertura do saneamento básico em Natal é um dos fatores que contribui para a contaminação por nitrato dos poços que abastecem a cidade. Com o fechamento de 26 poços, um problema gerou outro, que é a falta d’água em Natal e região metropolitana.
Apenas 22% do Estado possui rede coletora de esgoto. A maioria dos imóveis lança dejetos em fossas sépticas. Como o manancial aquífero é passível de renovação com água pluvial, há solução para os 26 poços da Caern fechados por conterem altos índices de contaminação por nitrato. O recomendado, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é de no máximo 10mg N/L.
A meta da Caern é atingir 55,8% do Estado, até o ano de 2010, em rede coletora de esgoto. O geólogo Leâncio Lucena, da Emparn (Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN), não enxerga como negligência o fato de a empresa ter permitido que os poços chegassem a um nível elevado de contaminação.
No entanto, considera que poderia ter havido um esforço maior no sentido de antecipar o tratamento de esgoto sanitário. “Haveria a possibilidade do quadro atual ser menos grave”, afirma. Segundo ele, a Caern faz monitoramento dos poços desde o final da década de 70 e já se percebia a presença do composto químico altamente cancerígeno, o nitrato.
O processo de disnitrificação é muito caro, principalmente para grandes volumes de água. Porém, há esperança de diluição do nitrato com a renovação do manancial aqüífero subterrâneo, também chamado de lençol freático. “Nada impede que alguns dos pontos, onde existe saneamento, possam ser diluídos com a água das chuvas”.
Com esta observação, ele chega ao âmago do problema, porque a renovação do aqüífero só ocorre onde as fontes de contaminação são cessadas. Outro aspecto importante a ser considerado é a preservação da permeabilização do solo, para que haja infiltração de água pluvial. O geólogo destaca algumas áreas da cidade em que o cuidado deve ser redobrado.
“O San Vale, por exemplo, é uma região denominada de recarga do manancial e já existem restrições quanto à ocupação do terreno. Se toda aquela área for impermeabilizada, futuramente seria um desastre para Natal”, alerta.
Situação é grave na Região Metropolitana
Na Região Metropolitana, o problema da falta d’água não se limita à capital. Em municípios como Macaíba e Parnamirim o desabastecimento é tão, ou mais grave que em Natal. No loteamento Santo Antônio e na Vila São José, em Macaíba, a salvação dos moradores vem do alto, mas não dos santos. É um posto de combustível localizado em uma elevação que socorre a população local.
O proprietário permite que as pessoas utilizem a água retirada de um poço por uma bomba. “Eu vejo as matérias quando falta água três, quatro dias em Natal, mas aqui é um ano todo sem vir. Se não fosse esse posto, água da Caern é que não vem mesmo”, critica o servente Raimundo Basílio Júnior, de 28 anos, enquanto enche baldes na mangueira do estabelecimento.
No local, a freqüência de moradores com baldes na cabeça, nos carros de mão, ou em carroças é constante. Funcionários do posto afirmam que filas chegam a se formar nos momentos mais críticos de falta d’água nas comunidades próximas. “Se a água aparecesse na torneira uma vez por semana já estava ótimo, mas é zero mesmo”, reclama Raimundo Júnior.
No povoado de Água Doce, entre os municípios de Natal e Macaíba, uma fonte localizada a poucos metros do rio Jundiaí é que abastece a população. Durante todo o dia diversos moradores das áreas próximas atravessam a BR-226 para conseguir a água de beber, cozinhar e tomar banho.“Só tem essa mesma. Venho até mais de uma vez por dia encher os baldes aqui, dou várias viagens. Quando está um pouco suja a gente não pega para beber, mas quando está melhor dá para tomar sim”, confirma o pescador Jeferson Pereira de Souza, de 23 anos.
Em Parnamirim, no loteamento Frei Damião, em Passagem de Areia, o prejuízo dos habitantes é grande. Alguns já tiveram de gastar até mesmo com carro-pipa. “Temos feito reclamações direto, mas quando a água chega, geralmente é sem força e não dá nem para subir para a caixa”, revela o funcionário público João Maria Batista de Souza, que mora há menos de dois quarteirões de um poço da Caern.
Qualidade da água preocupa a população
Não bastasse o desabastecimento, muitos moradores de Natal ainda convivem com a péssima qualidade da água que chega pela rede de distribuição da Caern. “Meu filho dá banho em minha neta, de um mês, com água mineral porque a da Caern não presta”, revela a comerciante Severina Francisca Pereira, de 56 anos, moradora da Redinha.
No bairro, o comércio dos botijões de água mineral só vem crescendo e motivos para isso não faltam.“A água não serve para beber, até para cozinhar é ruim. Quando a gente toma banho, muitas vezes fica se coçando. Tem gosto de lama. Meus filhos, quando cheguei aqui, ficaram todos sarnentos por conta da água, que quando é mais fraca vem como se fosse com um pó, meio amarelada e fedendo”, descreve Severina Pereira.
A dona-de-casa Francisca Ribeiro Lopes explica que algumas vezes a água vem “limpinha”, mas em outras o tom amarelado é que predomina. “Faz tempo isso e tudo o que sei é o que falam na televisão a respeito de poluição”, afirma.
Fonte: Tribuna do Norte - 16/03/2008

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