sábado, 19 de julho de 2008

Aldo Tinôco: “População também precisa ser cuidada”

Prefeito de Natal de 1993 a 1996, Aldo Tinôco é considerado um dos administradores que mais investiu em saneamento básico na capital. Engenheiro Civil, com especialização em Engenharia Sanitária e Hidráulica, ele considera que o próximo gestor terá de enfrentar o desafio de regulamentar as áreas de proteção ambiental, estruturar as de interesse social e encontrar novas alternativas de financiamento para as obras necessárias. Nesta entrevista, ele fala ainda das opções para levantar recursos e da necessidade de fazer funcionar instrumentos fundamentais na gestão das políticas urbanas, como o Conselho da Cidade.


TN: Qual o grande desafio ambiental do próximo prefeito?

Aldo: Gostaria de começar lembrando que a grande fragilidade ambiental de Natal é social. Quando ocorrem investimentos que privilegiam os vazios urbanos, se instala água, luz, esgotos, drenagem em um terreno, por exemplo, esse espaço vai se valorizando e grande parte da população não terá condições de ir morar lá. A população mais carente acaba indo ocupar dunas, encostas, depressões, morar na beira das lagoas. Para evitar essa expulsão, foi criado no Plano Diretor de 1994 a figura das Áreas de Especial Interesse Social (Aeis), cuja maior finalidade é proteger a população pobre dessa expulsão. O exemplo mais emblemático é Mãe Luiza. Você tem de aceitar o desenvolvimento da cidade, mas precisa garantir que a cidade seja de todos, não apenas de uma elite privilegiada de recursos. Essas áreas, portanto, precisam ser urbanizadas e essa urbanização contempla o saneamento.


TN: É fundamental, então, investir onde essa população carente já está estabelecida?

Aldo: Veja o caso de Cidade Nova. Foi criado um parque vizinho (Parque da Cidade). O que aconteceu com aquela área de Cidade Nova? Valorizou. Morar vizinho a um parque é algo atrativo e o mercado imobiliário começa a olhar a área com potencial de ocupação. O que se pode fazer? Delimitar e regulamentar essa área como zona de especial interesse social, juntamente com a regulamentação da ZPA (Zona de Proteção Ambiental) onde está o parque. A ótica tem de ser essa, proteção. Está aí Mãe Luiza, uma área altamente cobiçada. Então é preciso regulamentar e realizar um grande projeto de regularização fundiária, já que a maioria dos moradores das nossas cidades não possuem escritura de seus imóveis. Tem havido iniciativas nesse sentido, mas ainda não tomou a dimensão devida. Há instrumentos para isso, como a concessão do direito real de uso, de uso especial para fins de moradia e o usucapião coletivo.


TN: Então ao mesmo tempo que se regulamenta as zonas de proteção, é preciso proteger a população em seu entorno?

Aldo: Se você não toma esse cuidado, essa população será excluída. O capital privado tem de existir, nada contra, mas a cidade tem de ser compartilhada e todos devem ter direito à moradia, para não terem de ir para a beira de rio ou de uma lagoa, que quando chove alaga tudo. O grande desafio é mexer com as ZPAs e com as áreas de interesse social, regulamentando as primeiras e regulamentando e urbanizando as segundas. A população também precisa ser cuidada.


TN: O senhor, porém, já se mostrou preocupado que o saneamento da cidade possa levar à escassez no abastecimento (recarga) do aqüífero. É isso mesmo?

Aldo: Com o saneamento, a recarga do aqüífero vai diminuir, sim. Hoje, o que alimenta esse aqüífero são as águas das chuvas e a que escoa das fossas. O plano de drenagem que está começando a ser elaborado é rico nesse manejo, para que essa água das chuvas não vá embora e infiltre, o que significa patrocinar a recarga do aqüífero, que vai ser diminuída com o saneamento. Onde não existe rede de esgotos, o líquido dessas fossas também infiltra nos aqüíferos. Isso ocorre de forma pontual pela cidade. Por isso, é importante um estudo de diagnóstico ambiental geral da cidade, inclusive hidrogeológico.


TN: Um estudo desse poderia direcionar onde é prioridade as obras de saneamento?

Aldo: Aí não. Hoje, somos regidos pela Lei 11.445, de 2007, que obriga a elaboração dos planos municipais de saneamento. Natal já tomou iniciativa solicitando recursos. Esse plano engloba abastecimento de água, esgotamento sanitário, os resíduos sólidos, que são o lixo, e a drenagem. A importância desse plano é tratar das metas de curto, médio e longo prazo, mas principalmente estabelecidas a partir de uma construção coletiva, através de audiências públicas e discussão com a sociedade. Depois de regulamentar essas áreas (ZPAs e Aeis), tocar esse plano é outro grande desafio do próximo prefeito.


TN: Então a decisão de onde priorizar o saneamento não deve se limitar aos técnicos?

Aldo: Não pode ser assim. A Caern, que é a concessionária, precisa trabalhar conjuntamente com a Prefeitura, que é a titular, e a população tem de ser ouvida para dizer que cidade quer. Hoje, por exemplo, a zona Norte não está no projeto de tratamento de esgotos da Caern, então tem de se buscar alternativas de financiamento para as obras naquela região. Alternativas que esse plano diretor pode indicar.


TN: Por que? Haverá dificuldade em obter esses recursos?

Aldo: Vai haver desaceleração da economia. Há projeção de queda no crescimento do PIB, riscos de uma inflação de até 7% ou mais, ano que vem. Então pode ser que o Governo Federal comece a contingenciar os recursos. A Prefeitura também pode atingir sua capacidade máxima de endividamento, ao utilizar os empréstimos do FGTS e FAT, que não são a fundo perdido, têm de ser pagos, e não poder obter novos empréstimos. Então é preciso buscar alternativas e vejo pelo menos quatro.


TN: Quais são?

Aldo: Primeiro o Fidic, Fundo de Investimento em Direito Creditório. Alguém da iniciativa privada investe, por exemplo, no esgoto de Cidade Jardim. Se houve esgoto, isso vai gerar tarifa, que retorna para quem investiu. A empresa investe à vista e recebe a prazo, tendo lucro, o que atrai. A segunda é a operação urbana consorciada, que já é permitida pelo Plano Diretor. Você elabora um projeto em uma área específica que interesse muito construir, mas que não seja das áreas protegidas, no qual o índice de adensamento (ocupação) pode ficar bem acima do padrão, 4 por exemplo (o índice básico em Natal é 1,2). Esse índice que foi acrescido se transforma em Certificados Potenciais de Adicional de Construção, Cepac, títulos que podem ser vendidos em leilões nas bolsas, a quem se interessar em construir naquela área. Com o recurso obtido com a venda desses certificados, a Prefeitura paga o projeto que inclui a rede de água, de esgotos, viário, energia, toda infra-estrutura do local e ainda pode incluir uma área de especial interesse social dentro da operação consorciada, utilizando os recursos em urbanização e regularização fundiária. Se esses títulos se valorizarem e você obtiver o valor necessário sem precisar vender tudo, nem toda área precisa receber obras acima do coeficiente, somente aquelas dos que compraram os títulos.

TN: E as demais alternativas?

Aldo: A terceira são as Parcerias Público-Privadas, PPPs. Vejo como um instrumento que pode solucionar, por exemplo, o déficit hídrico de Natal, trazendo água do Maxaranguape. Se o aqüífero continuar sendo utilizado, pode ocorrer de futuramente entrar nele a água do mar, a chamada intrusão salina, daí a necessidade de buscar alternativas. Com a PPP, você pode resolver o problema de água para Natal toda, ou por exemplo de esgoto para a zona Norte. Os investidores seriam pagos de forma semelhante ao Pidic. E o último instrumento, os prefeitos talvez não gostem, mas é a Contribuição de Melhoria. Existe no nosso Código Tributário. Funciona assim: a Prefeitura investe em um local como Capim Macio, por exemplo. Esse investimento é pago por todos (contribuintes), mas beneficia apenas alguns. Esse instrumento tem, então, um cunho social, porque vai medir quanto seu imóvel se valorizou com o investimento feito e isso é cobrado de quem se beneficiou, mas apenas até cobrir a parcela que foi gasta de recursos próprios da Prefeitura.


TN: E na relação da prefeitura com a Caern, o que deve ser motivo de atenção do próximo prefeito?

Aldo: Duas questões são primordiais. Primeiro, a Caern está discutindo a questão do emissário (para despejo dos esgotos da Zona Sul de Natal). É importantíssimo que a Prefeitura faça incluir nessa discussão a nossa universidade federal, para que haja segurança a respeito do sistema adotado, através da realização dos estudos. A Arsban tem a função de fiscalizar isso e ainda há o conselho, Comsab, que tem uma função deliberativa. Além dessa questão, outra é que fui contra algumas formas de tratamento adotadas para os esgotos, pois defendo que é preciso avaliar pelo menos o custo-benefício de dois, três sistemas, levando em conta o gasto para implantação, operação e manutenção, para só então se ter a segurança de qual é a melhor alternativa.


TN: E qual a importância do futuro prefeito mobilizar também a população nessas discussões?

Aldo: Existem já muitos conselhos, mas há um que precisa ser colocado para funcionar que é o Conselho da Cidade. Ele foi criado pelo Plano (Diretor) e não tira o caráter deliberativo dos demais, mas servirá para integrar a ação de todos, o de Habitação, de Educação, dos Transportes, da Saúde, de Saneamento, etc. Ele é fundamental para melhorar a gestão do Plano Diretor de Natal.


Fonte: Tribuna do Norte - 19/07/2008

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