Legado do Mundial ainda é dúvida
São Paulo - A construção de arenas multiuso e as obras de infraestrutura urbana consumirão cerca de R$ 27 bilhões de verba pública até o início da Copa do Mundo de 2014. Cifras que devem causar impacto na paisagem das 12 cidades-sede da competição. Mas, para arquitetos e urbanistas que se debruçam sobre o tema, não necessariamente se reverterão em benefícios diretos a quem vive o dia a dia dessas regiões. Para eles, as obras em fase de definição ou já em processo de licitação apontam que o Mundial trará mais pontos negativos do que positivos como legado urbanístico.
A matriz dos problemas está na falta de comunicação entre os projetos que visam ao Mundial e as necessidades estabelecidas pelo Plano Diretor dos municípios. Um erro crasso, dizem os especialistas, que faz o Brasil perder o compasso de um momento histórico para equacionar questões estruturais e de inclusão.
"Os governos precisam de grandes eventos para alavancar recursos Mas, até agora, as intervenções previstas no Brasil não dialogam com as necessidades urgentes das cidades", afirmou Renato Balbim, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Como exemplo, ele cita a forma como as autoridades conduzem a questão do transporte coletivo. "Para não citar exemplos atuais, um caso típico encontramos no programa de São Paulo, quando a opção da arena ainda apontava para o Morumbi. A proposta era a construção de uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que ligasse o aeroporto (de Congonhas) diretamente ao estádio. Mas um projeto que favorecesse a coletividade deveria pensar em interligar o aeroporto até o metrô e, depois, levar um ramal ao Morumbi, o que integraria a região ao restante da cidade".
INSPIRAÇÃO
Quando se pensa em legado urbano a partir de megaeventos, a aspiração dos governos é alcançar resultados similares aos obtidos em Barcelona, que abrigou a Olimpíada de 1992. Durante a preparação dos Jogos, a região experimentou mudanças sensíveis em sua infraestrutura, com execução e construção de estradas, investimentos no sistema de telecomunicações e a modernização de áreas decadentes.
Repaginação que, para João Sette Whitaker, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Mackenzie e coordenador do laboratório da habitação e assentamentos humanos da USP, não contempla as necessidades brasileiras. "Estamos em um país carente de planejamento urbano básico, atualmente muitos e muitos passos atrás daquela Barcelona de 1992", disse.
O Pan-americano do Rio de Janeiro, em 2007, ele destaca, deveria ser analisado como uma experiência a ser evitada nesse sentido. "Mas a mentalidade não mudou. O governo preparou uma Vila Olímpica na Barra da Tijuca e, para a Olimpíada, a grande obra será uma linha de metrô que une Copacabana à Barra. Enquanto isso, a zona norte permanece esquecida", afirmou Whitaker. "Isso está se repetindo de certa forma em todas as cidades-sede da Copa. As melhorias que possam ocorrer vão ser pequenas e, socialmente, muito injustas. Não vão beneficiar as pessoas que realmente precisam".
PROCESSO
Um dos principais questionadores dos incentivos fiscais à construção do estádio do Corinthians, o vereador Aurélio Miguel (PR) apresentou uma representação ao Ministério Público de São Paulo, para pedir investigação de supostas irregularidades no projeto de lei. Miguel argumenta que o texto fere o princípio de impessoalidade ao prever "favorecimento de particular em detrimento do coletivo" - a Odebrecht, construtora responsável pelas obras. "O que traz mais desenvolvimento: uma escola ou um estádio de futebol privado?", argumenta.
Na representação, o vereador, judoca que conquistou a medalha olímpica, ainda questiona um entrave passado e que era cobrado pelo próprio MP.
Segundo ele, o terreno, cedido pela prefeitura em 1988 com a condição de que fosse construído um estádio dentro de cinco anos, deveria voltar para posse da municipalidade. Por fim, o vereador diz que a prefeitura cometeu improbidade e prevaricação ao "ignorar o início de obras, em suas próprias terras, sem o devido alvará ou aprovação pela subprefeitura e demais órgãos" responsáveis, e solicita que os fatos citados por ele sejam apurados pelo MP.
Fonte: Tribuna do Norte, 03 de julho de 2011
São Paulo - A construção de arenas multiuso e as obras de infraestrutura urbana consumirão cerca de R$ 27 bilhões de verba pública até o início da Copa do Mundo de 2014. Cifras que devem causar impacto na paisagem das 12 cidades-sede da competição. Mas, para arquitetos e urbanistas que se debruçam sobre o tema, não necessariamente se reverterão em benefícios diretos a quem vive o dia a dia dessas regiões. Para eles, as obras em fase de definição ou já em processo de licitação apontam que o Mundial trará mais pontos negativos do que positivos como legado urbanístico.
A matriz dos problemas está na falta de comunicação entre os projetos que visam ao Mundial e as necessidades estabelecidas pelo Plano Diretor dos municípios. Um erro crasso, dizem os especialistas, que faz o Brasil perder o compasso de um momento histórico para equacionar questões estruturais e de inclusão.
"Os governos precisam de grandes eventos para alavancar recursos Mas, até agora, as intervenções previstas no Brasil não dialogam com as necessidades urgentes das cidades", afirmou Renato Balbim, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Como exemplo, ele cita a forma como as autoridades conduzem a questão do transporte coletivo. "Para não citar exemplos atuais, um caso típico encontramos no programa de São Paulo, quando a opção da arena ainda apontava para o Morumbi. A proposta era a construção de uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que ligasse o aeroporto (de Congonhas) diretamente ao estádio. Mas um projeto que favorecesse a coletividade deveria pensar em interligar o aeroporto até o metrô e, depois, levar um ramal ao Morumbi, o que integraria a região ao restante da cidade".
INSPIRAÇÃO
Quando se pensa em legado urbano a partir de megaeventos, a aspiração dos governos é alcançar resultados similares aos obtidos em Barcelona, que abrigou a Olimpíada de 1992. Durante a preparação dos Jogos, a região experimentou mudanças sensíveis em sua infraestrutura, com execução e construção de estradas, investimentos no sistema de telecomunicações e a modernização de áreas decadentes.
Repaginação que, para João Sette Whitaker, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Mackenzie e coordenador do laboratório da habitação e assentamentos humanos da USP, não contempla as necessidades brasileiras. "Estamos em um país carente de planejamento urbano básico, atualmente muitos e muitos passos atrás daquela Barcelona de 1992", disse.
O Pan-americano do Rio de Janeiro, em 2007, ele destaca, deveria ser analisado como uma experiência a ser evitada nesse sentido. "Mas a mentalidade não mudou. O governo preparou uma Vila Olímpica na Barra da Tijuca e, para a Olimpíada, a grande obra será uma linha de metrô que une Copacabana à Barra. Enquanto isso, a zona norte permanece esquecida", afirmou Whitaker. "Isso está se repetindo de certa forma em todas as cidades-sede da Copa. As melhorias que possam ocorrer vão ser pequenas e, socialmente, muito injustas. Não vão beneficiar as pessoas que realmente precisam".
PROCESSO
Um dos principais questionadores dos incentivos fiscais à construção do estádio do Corinthians, o vereador Aurélio Miguel (PR) apresentou uma representação ao Ministério Público de São Paulo, para pedir investigação de supostas irregularidades no projeto de lei. Miguel argumenta que o texto fere o princípio de impessoalidade ao prever "favorecimento de particular em detrimento do coletivo" - a Odebrecht, construtora responsável pelas obras. "O que traz mais desenvolvimento: uma escola ou um estádio de futebol privado?", argumenta.
Na representação, o vereador, judoca que conquistou a medalha olímpica, ainda questiona um entrave passado e que era cobrado pelo próprio MP.
Segundo ele, o terreno, cedido pela prefeitura em 1988 com a condição de que fosse construído um estádio dentro de cinco anos, deveria voltar para posse da municipalidade. Por fim, o vereador diz que a prefeitura cometeu improbidade e prevaricação ao "ignorar o início de obras, em suas próprias terras, sem o devido alvará ou aprovação pela subprefeitura e demais órgãos" responsáveis, e solicita que os fatos citados por ele sejam apurados pelo MP.
Fonte: Tribuna do Norte, 03 de julho de 2011
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